sábado, 9 de maio de 2009

NEWTON PAVÃO, arte, vida e memória


Nem sempre é fácil a tarefa de falar sobre alguém. Por mais que se tenha a intenção de produzir um depoimento imparcial o coração é um companheiro que se transforma em delator.
Neste caso, particularmente, penso que assim seja, porque falo de Newton Pavão, extraordinário artista e inigualável avô, cujo carinho legou-me lembranças que fazem encontrar no passado o referencial de futuro, como se o espelho da vida fosse um eterno companheiro.
Devo, entretanto, antes de iniciar, pontificar que a iniciativa do estimado companheiro Reis é ímpar, porque o Maranhão, a par de produzir tantos talentos, é capaz, também, de, inexplicavelmente, produzir o esquecimento de tantos outros, dando destaque a aventureiros sem compromisso com esta terra, enquanto degreda alguns de seus filhos, mesmo que dedicados a divulgar o romance que existe entre o maranhense e seus manes.
De Pavão avô posso dizer, com a brevidade imposta pelo espaço, que foi dessas pessoas ímpares, capazes de produzir indeléveis lembranças que revolvo da infância.
Hábil construtor de “jamantas” e “papagaios” que nos encantavam no céu, punha previamente no papel um projeto com formas e cores próprias, enquanto a nós netos, todos meninos, parecia ser a maior obra de engenharia, posto haver precisão técnica, com seleção apurada do material a ser utilizado. O que não entendíamos até então, porque só o tempo é capaz de operar esse milagre, é que o coração de avô era o grande segredo do equilíbrio do objeto no espaço, sendo prêmio a ele os nossos miúdos olhos e pés descalços, a correr pelo sítio “Vililma”, propriedade em que vivemos nossa infância no lugarejo Rio de São João.
Ali também tivemos nossos contatos imediatos com a natureza entres árvores diversas (e eram tantas!), que, de quando em vez, nos custaram inúmeras dores de barriga, aliviadas, sempre, pelos santos remédios da avó Nhazinha, como chamávamos vovó Georgiana. Ali participamos de inúmeros festejos de São Pedro, cujo altar era obra de Pavão, sendo a nós meninos o ponto alto a hora de degustar os doces tradicionais.
O boi foi uma presença constante em nossa infância, porque um simples “paneiro” de farinha d’água era transformado em corpo, enquanto o espírito de artista de Pavão dava-lhe alma de forma elaborada, sendo-lhe a vida os netos interpretando seus papéis previamente acordados. Esse era nosso São João, com fogos de artifício em abundância, fogueiras construídas com simetria, e modinhas acompanhadas por um violão inseparável.
Do avô muitas são as lembranças aqui repartidas, porque o coração frívolo é inconseqüente, conduzindo-nos à demorada narração. Entretanto, uma nos é muito grata: foi Pavão um dos fundadores, com os Aboud, do Moto Clube de São Luís, time de futebol de sua paixão, capaz de proporcionar, no seu aniversário, um verdadeiro conselho familiar para deliberar acerca da camisa que seria usada no Estádio Santa Izabel. Este fato, entretanto, não foi suficiente para que recebesse dessa agremiação qualquer homenagem, tornando-se, uma vez mais, verdadeira a afirmação acerca do esquecimento.
A afeição pelos netos era tamanha que transformava uma rede em navio, sendo ele o comandante, enquanto nós, todos a postos, éramos atentos marinheiros aguardando a rota, os sinais e os sons que seriam produzidos durante as suas criativas narrações.
Só uma coisa nos afastava, de certo modo, do avô Pavão: no período carnavalesco era usuário contumaz de um “fofão”, e isto nos incomodava um pouco, porque as máscaras por ele construídas, nos davam um medo desfeito apenas pelas inúmeras e insistentes explicações de mamãe. O que nós não sabíamos é que, naquele “fofão” existia uma criança!
Já na minha adolescência, quando fervilhavam as músicas de protesto, sentiu-se extasiado ao ver-me adquirir um violão. Fez-me, entretanto, apenas uma observação: “Quem usa palheta não toca; o segredo e a harmonia desse instrumento está no dedilhar.”.
Não cheguei a tornar-me violonista, mas aproveitei o conselho, sendo-me bastante, hoje, lembrar aos meus filhos as modinhas que ouvia na minha infância.
Aos dezesseis anos parti para uma jornada aventureira, então: estudar nos Estados Unidos. Foi nessa época, sem dúvida, que tive contato com o avô escritor. Muitas foram as conversas por cartas que me serviram como consolo, pela distância, mas como aprendizado, sobretudo, para quem se encontrava, sozinho, no oeste americano.
Lembro-me, particularmente, de uma carta que tratava da vida, de suas surpresas, de seus mistérios. Nela, o avô Pavão encerra a conversa dizendo: “Lembre-se: na vida há oportunidades que são únicas.”
De fato, ficou-me indelével na memória esse conselho porque pude compreender o esforço que o meu pai fizera para que eu estivesse desfrutando aquela experiência.
O avô, de quem fui aluno na Escola de Artes Plásticas, de que lhes fala o autor desta obra, é inseparável do artista Pavão, do Professor Pavão, irrequieto por essência, criativo por natureza, mas, sobretudo, humanista por excelência.
O que me reserva a memória é abundante, porque vivi com o avô Pavão experiências que a cidade permitiam, mas a oportunidade impossibilita-me rememorar, devendo o coração ser advertido de que este espaço é reservado, apenas, a um depoimento.
Esse homem que o Maranhão não soube homenagear, merece, agora, do companheiro Reis, uma lembrança que me comove: resiste ao tempo e aos homens o reconhecimento pelo artista.
O artista Pavão é um patrimônio desta terra, bem maior que a insensibilidade daqueles que se anunciam tutores das artes, bem mais real do que as abstrações coloridas que adornam os gabinetes. Isto é o que o Reis busca resgatar neste trabalho, pondo-me atônito ao ver-lhe dedicado ao passado do artista, mas feliz, ao constatar que a sensibilidade sobrevive ao tempo, buscando rememorar o homem pelos homens.
Do artista falam, com propriedade, os críticos que depõem nesta obra; do professor falam os intelectuais que com ele conviveram e conheciam suas idéias; do homem, falam todos, porque esta obra sobre um homem é para que os homens nunca se esqueçam de quem deveriam sempre lembrar; do avô falo eu, mais com o coração, é verdade, mas repleto de agradecimentos ao autor, transbordando de saudade, e constatando, uma vez mais, que “na vida há oportunidades que são únicas”. Única é a obra, única é a vida, único é o homem, mas várias foram as oportunidades para que o Maranhão homenageasse Newton Pavão.
Obrigado, companheiro Reis!

Um comentário:

Unknown disse...

oi seria bom se nòs podesimos ver as obras .botem obras ok.